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Vê Nus

Kazuo Okubo

Autopublicado, FAC/DF

Para Vilém Flusser, existe uma diferença radical entre imagem e imagem técnica: a primeira “imagina” o mundo, enquanto a segunda “imagina” textos (textos científicos que programam o aparelho que a produz) que “concebem” imagens que “imaginam” o mundo.
A fotografia de arte, diferente de fotografia jornalística , documental ou social, não tem uma aplicação ou associação direta na interpretação de um fato, informação, ação ou teoria. A liberdade conseguida pela arte ao longo da historia permitiu à fotografia contemporânea, essa apropriação da beleza onde estiver o desejo do autor.

VE NUZ (um jogo de palavras que mistura o imaginário à invenção criativa) é um ensaio e uma reflexão sobre o processo de criação do fotografo Kazuo Okubo.

Neste ensaio, Okubo se aproxima e se contrapõe ao trabalho do fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe, que se define por grande rigor em todos os aspectos da sua obra, criativos ou técnicos. Famoso pelos ensaios de nus masculinos ousados, Mapplethorpe caminhava para uma expressão notável, fotografando também diversas flores em closes (ângulos mais fechados) e cores, com uma poesia delicada características de um trabalho que contrapõe uma força e virilidade à essa visão da beleza.

Ve Nuz reúne a delicadeza e a ousadia dos nus, obtendo um resultado bastante poético e particular, despido do julgamento e da contextualização da culpa que o corpo sofre na cultural ocidental.

A fotografia contemporânea busca este lugar de liberdade e ousadia ao se deslocar do objeto como referente, construindo poeticamente um universo destacado na cultura da imagem.

Grandes nomes da arte japonesa, como os de arte erótica do período Edo ( “A erótica japonesa na pintura e na escritura dos séc. XVIII a XIX de Madalena Hashimoto Cordaro – editora USP) ao cinema (Nagis Oshima, Kumashiro , celebrado pelo Le Monde em 2018), ou ainda fotógrafos como Eikoh Hosoe e Araky Nobuyoshi , tratam o corpo e a nudez numa relação direta, somando com a tradição oriental em contraste com a tradição judaico cristã imposta ao Japão no contato com o ocidente.

O xintoísmo tem raízes muito antigas nas ilhas japonesas. Sua história remonta aos documentos “kojiki” e ao “nihon shoki”. Porém, os registros arqueológicos datam de um período significativamente mais antigo. O “kojiki” estabelece a família imperial como o alicerce da cultura japonesa, na condição de descendentes da grande deusa que ilumina o universo, “Amaterasu Omikame”.

Existe também uma genealogia “de criação e aparição dos deuses, de acordo com um mito da criação”. O “nihon shoki” ; estava mais interessado em criar um sistema estrutural de governo, política externa, hierarquia religiosa e ordem social interna.

No princípio, esta religião étnica não tinha nome, mas quando se introduziu o budismo no Japão, durante o século VI, um dos nomes que este recebeu foi “Butsudo”, que significa “o caminho do Buda”. Assim, a fim de diferenciar do budismo, a religião nativa passou a ser chamada “xinto” (shinto), palavra de origem chinesa que combina dois caracteres chineses – “shin”, significando deuses ou espíritos (quando lido sozinho é pronunciado “kami”) e “tō”, que significa caminho filosófico. Assim, xintoísmo significa “o caminho dos deuses”.

A religião cristão, uma influência direta dos portugueses, surge no primeiro contato com os japoneses quando aportaram em 1543, na cidade de Tanegashima e no porto de Nagasaki, a principal porta de entrada de embarcações vindas de Portugal no século XVI e XVII. A palavra moderna para o cristianismo é kirisuto kyo, Kirishitan , origina de “cristão”, usada ainda hoje para referir aos católicos no Japão. Os missionários cristãos eram conhecidos como bateren (do português, “padre”) ou iruman (do português, “irmão”). O Cristianismo introduz a culpa e a vergonha da exibição do corpo, criando uma arte própria, metafórica e poética, representada nas xilogravuras do período Edo.

Pode-se afirmar que o trabalho artístico do fotógrafo Kazuo Okubo tem uma forte influência da cultura oriental, onde o nu tem um significado muito particular em relação à vida privada e à sua exposição pública. A complexidade e originalidade deste ensaio reside justamente na aparente visão de síntese das suas fotografias.

Sua expressão é gráfica, como se a herança das xilogravuras estivesse presente. Ele subtrai elementos que muitos considerariam indispensáveis, como a cor, a textura da pele, as sombras, o contexto geral do corpo da mulher sensual.

Ao mesmo tempo, sua formação num ambiente artístico ocidental , no qual atua também como fotógrafo de publicidade, contextualiza este corpo no ambiente contemporâneo. O corpo no mundo globalizado que atua no rompimento dos limites. O Movimento LGBTQIAP+ que luta para discutir e garantir os direitos básicos para as Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Assexuais, Intersexuais, Arromânticos, Pansexuais, Polissexuais e Pessoas não-binárias. Ele registra sutilmente a cultura do mercado atuando em função deste corpo que traz marcas, objetos, novos paradigmas de prazer, de ser e de existir.

O resultado mostra imagens singulares da delicadeza ingênua, da nudez simples do corpo de um ser humano, visto como obra de arte imaginada.

 

Rosely Nakagawa